domingo, 4 de setembro de 2022

Espaço Simbólico, Grande Outro.

“O espaço simbólico funciona como um padrão de comparação contra o qual posso me medir. É por isso que o grande Outro pode ser personificado ou reificado como um agente único: o 'Deus' que vela por mim do além, e sobre todos os indivíduos reais, ou a Causa que me envolve (Liberdade, Comunismo, Nação) e pela qual estou pronto a dar minha vida. Enquanto falo, nunca sou meramente um 'pequeno outro' (indivíduo) interagindo com outros 'pequenos outros': o grande Outro deve sempre estar lá. Essa referência inerente ao Outro é o tópico de uma piada infame sobre um pobre camponês que, tendo sofrido um naufrágio, vê-se abandonado numa ilha com, digamos, a Cindy Crawford. Depois de fazer sexo com ele, ela lhe pergunta como foi; sua resposta é 'Foi ótimo', mas ele ainda tem um favorzinho a pedir para completar sua satisfação: poderia ela se vestir como seu melhor amigo, usar calças e pintar um bigode no rosto? Ele lhe garante não ser um pervertido enrustido, como ela verá assim que lhe fizer o favor. Quando ela o faz, ele se aproxima dela, dá-lhe um tapinha nas costas e lhe diz com o olhar malicioso da cumplicidade masculina: 'Sabe o que me aconteceu? Acabo de transar com a Cindy Crawford!' Esse Terceiro, que está sempre presente como a testemunha, nega a possibilidade de um prazer privado inocente e intacto. O sexo é sempre minimamente exibicionista e depende do olhar de outrem. 

“Apesar de todo o seu poder fundador, o grande Outro é frágil, insubstancial, propriamente virtual, no sentido de que seu status é o de um pressuposto subjetivo. Ele só existe na medida em que sujeitos agem como se ele existisse. Seu status é semelhante ao de uma causa ideológica como Comunismo ou Nação: ele é a substância dos indivíduos que se reconhecem nele, o fundamento de toda a sua existência, o ponto de referência que fornece o horizonte supremo de significado, algo pelo qual esses indivíduos estão prontos a dar suas vidas; no entanto, a única coisa que realmente existe são esses indivíduos e suas atividades, de modo que essa substância é real apenas na medida em que indivíduos acreditam nela e agem de acordo com isso...” 

(ZIZEK, Slavoj. Como Ler Lacan. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. pp. 17-18)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Sociopata utilitarista.

“A noção do vínculo social estabelecido por meio de gestos vazios nos permite definir de maneira precisa a figura do sociopata: o que está a...